Fosca me visitou e pediu para se hospedar...

Muito já se falou dela.
Em dois anos de trabalho presenciei inumeras expressões a seu respeito, ouvindo diretamente, ouvindo de quem ouviu dizer, lendo. Comentaram, disseram e ainda dizem desta feia.
Fala o diretor, o produtor, a figurinista, a imprensa, o vizinho que reconhece a foto, a amiga que liga pra parabenizar a atriz; as boas e sobretudo as más línguas, o crítica conceituada, até mesmo quem não conhece ou nada sabe do que se trata, diante de sua omagem ousa emitir um breve parecer... vê em Fosca algo intrigante e ensurdecedor.
Pois bem, Fosca um dia me visitou...
Na literatura Fosca me assusta, me levou a repeli-la, me "tragou" pra dentro dela e me apresentou o abismo de solidão e busca que tão bem conhece nos longos dias de reclusão e espera, aridez, martírio e confusão que sempre a cercaram.
Foi desse dia de encontro que, juntas, vimos o teatro. Uma dramaturgia, um roteiro que falava de um provável universo de construção possível mas que necessitava de um corpo para tomar forma, transitar ficcional e "real" no espaço de contação de sua história da mulher "devoradora de livros".
O medo é inevitável! Quem em sã consciência se lançaria a sua construção sem a compreensão exata da responsabilidade de bem traduzí-la? Quem arriscaria representá-la longe de uma rotina de estudos subterrâneos e metafóricos que, por certo, revelam o inaudível e o uníssono de tão complexa personagem? Fosca inrompe impreriosa sua própria construção: dita o ritmo, o fluxo, a temperatura que a costuram nessa trama densa e aprazivelmente sedutora tecida por Tarcheti no século XIX.
Fosca tem vida própria e, ao mesmo tempo só pode ser entendida pelas lentes do tempo que a constitui como Fôrma e forma, do contexto temporal em que se "amarra" como mulher rejeitada pelo grotesco aspecto físico que carrega como armadura que não deixa vislumbrar a ternura e graça que a habitam. Virtudes que talvez estejam guardadas e protegidas em seu minúsculo fórtim particular, o quarto no qual tem crises assustadoras, dores indescritíveis; no mesmo recinto onde toca ao piano as perólas de Chopin, no qual quando "engole" manuais militares na falta de larga literatura com fome e audácia diárias pra manter a vida rasa mas que a permite voar, sonhar, visitar outros mundos, escapar da vida.
Fosca se permitiu, por meio da cena, um olhar público e apurado da platéia que a vê dessa janela onde se apresenta como obra inacabada.
Vista pela literatura, pela cena musical e cinematográfica, hoje ela se constitui personagem teatral.
Pra mim, um presente grande demais pra carregar sozinha, um trabalho construído por muitas mãos. Paula está comigo desde o início... já descobrimos muito juntas eu muito mais que ela. Com a atriz Paula Diocesano tenho descoberto a leveza que Fosca precisa pra andar, olhar, decidir o que fazer. Rodrigo Braga, meu primeiro grande parceiro de cena me deu a chance de chorar inúmeras vezes com Fosca e com ele, uma cumplicidade cênica sem a qual não teria visto o que não está escrito sobre ela, essa mulher sensível e encantadora que cativou primeiro a mim. Rafael Feitosa chegou..." meigo, doce, perspicaz, sempre tão honesto..." e juntos tem conferido uma densidade outra, uma atmosfera nova e extremamente rica pra mim, Rafael a quem hoje dedico um carinho e o meu reconhecimento profissional pela brevidade com que deixou Giorgio florescer em si.
Marinaldo Silva é o companheiro paciente, a dose de maturidade e tranquilidade que preciso pra me fortalecer nesse tempo de espera, nesses dias em que novamente "Me alugo pra sonhar".rr. A Harlles Oliveira um abraço mais que afetuoso pelo aceite tão importante. Graças a ele temos finalmente um Coronel Ricci, um primo cuidadoso e forte à altura da proteção que Fosca precisa.
Então vamos agora ao deslumbrado (em todo sentido da palavra!!) e deslumbrante sonhador, àquele que viu antes, sonhou antes e trabalhou o sonho com ambas as mãos, tirando de um livro uma inesquecível peça de teatro: GUAL DÍDIMO! (Espeo que meus comentários não deixem mais empolgado, mas desejo que sinalize o que penso a seu respeito, algo que pode, penso eu, acrescentar um pouco ao seu crescimento humano, intelectual e profissional...
(CONTINUA!!!)

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